domingo, 7 de junho de 2009

A CIDADE QUE ME ABRAÇA


O vento forte e a sensação de onipotência foi o que mais marcou minha visita ao topo do edifício Altino Arantes, antigo Banespa, hoje propriedade do banco Santander. Sempre quis conhecer um dos prédios mais altos de São Paulo, o nosso Empire State Building, mas a falta de tempo e de oportunidade sempre me impediram, já que só é possível visitá-lo em horário comercial.

Apesar de ansiosa para subir, tive que aguardar a descida de outro grupo para então seguir com algumas pessoas que também esperavam. Aguardamos na entrada, em um amplo e imponente saguão, que exibia um gigantesco lustre de cristal se debruçando sobre um jogo de bancos, cadeiras e mesa no centro, talhados em madeira escura e muito antiga. Surpresos com o excesso de burocracia, sempre guiados por seguranças, fomos chamados para entrar em um elevador, depois trocamos por outro, e subimos o restante pelas escadas, até a torre. No fim das contas, esse sistema todo acabou criando mais expectativa em ver minha cidade lá do alto, mesmo sabendo que poderia permanecer apenas por cinco minutos.

À medida que subo os degraus, já sinto o vento forte, que chega primeiro. A cidade anuncia o seu poder, e, sob meus pés, reafirma sua grandeza. Sinto emoção ao ouvir o zunido do vento, que levanta meus cabelos com força. Estou no topo de uma montanha, mas à minha volta, nem sinal de natureza, só concreto.

O contorno dos prédios se mistura às ruas, que parecem rios com os carros em movimento, e tudo se intercala formando uma massa bege e azul. Como é linda essa cidade vista por inteiro. Começo a girar e ela me abraça por todos os lados. Olho cada pontinho nos edifícios, formado pelas janelas, imagino quantas histórias guarda cada um deles ou cada carro que se move como formiga. Percebo o real sentido de “estamos todos no mesmo barco”.

De repente, ouço um sino, trilha sonora para esse sonho de ver São Paulo inteira. É o mosteiro de São Bento, sob meus pés. Do outro lado, o azul da torre da Catedral da Sé se destaca na paisagem homogênea formada pelos prédios. Aos poucos identifico outros lugares, a sombra do pico do Jaraguá muito distante, as janelas coloridas do shopping Light, a praça Ramos... lugares por onde passo, pedaços do meu cotidiano transformados em partes de algo maior, na força de uma cidade que pulsa intensamente.

Texto/fotos: Luciene Cimatti

FESTA NA ALDEIA


Impossível definir quantos mundos diferentes habitam em São Paulo e arredores, que como grande parte das metrópoles, exibe contrastes entre evolução, atraso, riqueza, pobreza, passado, futuro. Nela se abrigam centenas de recantos escondidos que passamos a vida inteira sem sonhar que existem. É o fascínio de uma cidade que convida a ser descoberta, mas que jamais será inteiramente revelada.

Não é preciso ir muito longe para conhecer um desses recantos, um pedaço da nossa história que o tempo não conseguiu apagar. Resquícios da colonização indígena pelos jesuítas repousam no município de Carapicuíba, na antiga aldeia indígena que remonta ao século 17, a Aldeia de Carapicuíba. Localizada no Km 22,2 da Rodovia Raposo Tavares, foi tombada, em 1940, como patrimônio histórico nacional. Conhecida pelas festas folclóricas, casas coloniais e pelo restaurante chileno Peña Don Fernando, que é uma atração à parte, é um bom passeio para quem gosta de história, boa comida e um pouco de aventura.

Apesar da extensão da região que consiste a aldeia, a atração fica no largo formado pela pequena igreja antiga e cerca de 20 casas pintadas de branco e azul que circundam a praça, algumas moldadas com taipa de pilão. As casinhas antigas abrigam a prefeitura, posto dos correios, posto policial, bar, mercearia, biblioteca, museu e o restaurante, localizado nos fundos de uma das casas. A Casa da Cultura exibe exposições sobre tradições e costumes indígenas, como máscaras, artesanato e esculturas, de diversas tribos, entre elas os Guaianases, uma das primeiras tribos a habitar a região. É possível até visitar uma réplica de oca indígena, nas imediações da aldeia.

Antiga rota dos bandeirantes, a Aldeia de Carapicuíba foi fundada, em 1580, pelo padre José de Anchieta, e teve sua população indígena administrada pelos jesuítas. Lá os índios trabalhavam em troca de roupas, instrumentos de trabalho, remédios e orientação religiosa. Hoje, o folclore da região continua preservado por meio das festas tradicionais, que apresentam danças típicas, feira de artesanato, comidas, entre outros. A Festa de Santa Cruz, que sempre acontece no início de maio, no largo da aldeia, teve origem na época da colonização dos índios, e envolve danças, novenas e rezas. Outras festas populares são a Festa de Santa Cruzinha, em setembro, e a Festa de Santa Catarina, romaria que acontece em novembro.

Além das festas folclóricas, a atração imperdível é o Peña Don Fernando, incrustrado na aldeia e na história do local. Inspirado nas “peñas chilenas”; locais rústicos onde as pessoas se reuniam para cantar; o restaurante tem chão de terra batida, teto de sapé e forno a lenha, além da decoração inusitada, que inclui bandeiras, fotos e cartazes cheios de humor. Nas noites de sexta e sábado, e almoço de domingo, o local apresenta música latina ao vivo. Placas na estrada sinalizam a entrada da aldeia e anunciam as especialidades da casa, como empanadas, pastel de choclo (prato tradicional chileno à base de milho), frango ou peixe no barro. Minha promessa de retornar fica por conta da banana assada com açúcar e canela, iguaria de dar água na boca.
Texto/fotos: Luciene Cimatti

UMA VIAGEM DE VOLTA AO SÉCULO 19


Quando estive em Paranapiacaba há muitos anos, nem sabia que esse nome, em tupi-guarani, significava "lugar de onde se vê o mar". O local fez parte da minha adolescência, onde costumava fazer acampamentos, piqueniques e visitas às cachoeiras. Depois de muito tempo, decidi revê-lo e descobri que e a vila está sendo recuperada, apesar de a estação ferroviária ainda parecer abandonada.

A região, tombada pelo Patrimônio Histórico desde 1987, tem sido cada vez mais procurada por turistas que querem conhecer a parte histórica da vila ou praticar esportes como trekking, ciclismo, rapel e arborismo na área de Mata Atlântica, transformada no Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba.

Localizada na região sudeste do município de Santo André (Grande São Paulo), no limite entre o Planalto Paulista e a Serra do Mar, a 55 km de São Paulo, uma das opções é seguir de trem até a estação Rio Grande da Serra e tomar um ônibus até o local. Quem preferir, pode ir de carro ou até de motocicleta, para os aventureiros.

Minha opção é ir de trem, já que são poucas as oportunidades de se aproveitar um passeio desses no Brasil. Os trens da linha CPTM são vazios nos finais de semana e a viagem leva em média 30 minutos, saindo da estação da Luz, com destino a Rio Grande da Serra, e descendo na estação terminal. Um ônibus sai a cada meia hora para a Vila de Paranapiacaba e leva em torno de 20 minutos para chegar ao local. Depois de algum tempo subindo a serra, já pude sentir a mudança de temperatura e a forte neblina, típica da região. E assim começa a viagem no tempo, de volta a 1867, quando a estrada de ferro foi construída pelos ingleses, devido ao aumento do transporte da produção agrícola do porto de Santos para o Planalto Paulista.

A vila ferroviária foi construída em 1896, para os funcionários da companhia inglesa São Paulo Railway e até hoje tem um jeitão londrino, pela névoa que invade a cidade. O local é cheio de ladeiras e assim que cheguei, subi até a parte alta da vila, onde fica a antiga estação, hoje desativada para transporte de passageiros. Já tinha esquecido que tirar fotos à tarde é um tremendo desafio, e cada minuto é precioso, pois no minuto seguinte a cena pode estar encoberta por uma atmosfera de sonho, causada pelo nevoeiro. No meio do pátio ferroviário, destaca-se imponente o relógio que foi construído em Londres, no ano de 1898, para ser referência aos trens em dias de forte neblina. Uma passarela que atravessa a estação leva até o Museu Ferroviário, que expõe maquinários do antigo sistema ferroviário, e à área de embarque para o passeio de maria-fumaça, que é garantia de pura diversão.

A vila é charmosa, com suas casas coloridas feitas de madeira, ruas de pedras, estreitas e sinuosas, igrejinha que foi construída para os funcionários católicos da ferrovia e tem até o "castelinho" no alto de um morro. A todo momento, ciclistas, motociclistas e skatistas invadem as ruas, se misturando a casais, idosos e famílias que visitam o local. Quem quiser passar alguns dias, pode se hospedar em pousadas, como a simpática Pousada do Artista, decorada com objetos que podem ser adquiridos pelos hóspedes. Outra opção interessante é se hospedar nas casas inglesas, onde moradores oferecem cama e café da manhã (sistema B&B).Mas há muito mais para se fazer na vila além de ver a estrada de ferro e curtir a natureza.

A vida cultural fervilha no mês de julho com eventos como o tradicional Festival de Inverno de Paranapiacaba, entre outros. Além disso, o local atrai cada vez mais artistas que montam ali seus ateliês de cerâmica, e não faltam exposições de arte com objetos para ver e comprar.O dia chega ao fim e termino meu passeio com um pedaço de bolo de chocolate e cafezinho para esquentar a tarde fria na serra, prometendo voltar em breve para conhecer e experimentar outras delícias da minha vila inglesa favorita.

Texto/fotos: Luciene Cimatti

TODAS AS CORES DO CENTRO


Trabalhar no centro de São Paulo é uma aventura e tanto. Sinto-me privilegiada por morar perto do trabalho, podendo ir a pé, escapando do trânsito assustador da cidade. Numa dessas caminhadas num dia de sol decidi registrar meu percurso, fotografando o que vejo pelo caminho, o belo e o feio que se misturam na metrópole que cresce a cada dia e cuja região central pulsa para todos os lados.

Em plena sexta-feira no horário comercial, tento abrir caminho entre a multidão. Ainda bem que não estou atrasada, embora todos pareçam estar. Depois de alguns minutos de caminhada a avenida São Luiz se abre diante de mim. Observo com outros olhos o contraste dessa rua ampla, cercada de árvores, cujas sombras desenham as calçadas; prédios antigos e luxuosos, joalherias, lojas de alto nível, um verdadeiro boulevard no meio da decadência da região. Minha intenção era fotografar a biblioteca municipal, local que costumava freqüentar há tanto tempo, quando a internet nem era uma opção. O prédio está em reforma e não é possível entrar, mendigos dormem logo na entrada, sem se importar com a impossibilidade da leitura.

Há várias opções para se chegar ao miolo da rua 24 de Maio, onde trabalho. Sigo pela rua Xavier de Toledo, em direção ao Teatro Municipal. Passo por um sebo de livros e entro na livraria antiga, que possui verdadeiras relíquias. Me pergunto se todos estão perdendo o prazer de folhear um livro, ou se sou eu que sem querer adquiri o hábito de ler na tela fria de um computador. Saio da livraria e atravesso a rua para fotografar o prédio antigo e imponente do shopping Light. O viaduto do Chá fervilha nessa hora do dia. Jorram pessoas de todos os lados; diferentes raças, classes e estilos brilham sob a luz do sol, correndo em busca de seus destinos, que se cruzam no centro da cidade. Em frente ao Teatro Municipal, Fernando Pessoa sorri e acena para mim quando coloco dinheiro na caixinha. É uma estátua viva, que se move ao tilintar de cada moeda, para deleite do público que a observa curioso.

Enfim, quase chegando ao meu destino, entro na rua 24 de Maio, passando pelo shopping center Grandes Galerias, mais conhecido como Galeria do Rock, templo antigo dos amantes desse estilo de música, que podem adquirir discos raros, camisetas, bonés e tudo o que permeia essa cultura. Seguindo adiante, observo as pessoas que, como eu, lutam por um lugar na calçada ou no meio da rua, desviando da infinidade de ambulantes em barraquinhas que vendem de tudo, lutando pela subsistência em uma cidade muitas vezes cruel.

Acho curioso observar as cores do centro, formadas pelos grafites coloridos sobre as paredes, pelos produtos à venda nas barracas ou pelas roupas usadas pelos tipos inusitados que circulam na região. Atribuo o colorido do local particularmente às frutas que inúmeras lanchonetes exibem como cartão de visitas, onde servem sucos naturais. Aliás, tomar um suco fresquinho é coisa rara mundo afora. Faz parte das delícias de se viver em um país tropical.

O centro também tem música. Quando ouço o saxofone que entoa a Aquarela do Brasil, me dou conta de que é ele que embala as minhas tardes, e eu nem sabia. Percebo que estou chegando ao meu destino.

Feliz por desfrutar de tantas riquezas que o centro oferece, chego para mais um dia de trabalho. Seria bom se a região fosse mais limpa, mais cuidada e mais segura. Mas sinto que o velho centro ainda tem muito a oferecer, e vai continuar abrigando tanta gente, em suas ruas apinhadas, exibindo a beleza e cansaço de seus prédios antigos, arrancando sorrisos e esperanças de quem sobrevive na região, apesar de esquecida por quem a administra.
Texto/fotos: Luciene Cimatti

sábado, 6 de junho de 2009

UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DE EMBU DAS ARTES


Conhecer a história da Estância Turística de Embu, hoje sinônimo de arte e antiguidades, por conta da famosa feira dos fins de semana, já é um bom começo. A cidade teve origem em uma aldeia indígena, que transformou-se em vila, em meados do século XVII, após a chegada dos jesuítas na região. Ali os padres começaram a fabricar, com a ajuda dos índios, todos os móveis, utensílios, oratórios e imagens sacras necessários aos avanços da Companhia de Jesus. Foi lá também que os jesuítas instalaram uma escola de artes e ofícios, o que explica a relação antiga e histórica da região com a arte. Desde então, artistas tem eleito o local para montar seus ateliês, galerias e antiquários, espalhados pela cidade.

Assim que cheguei à praça central de Embu, notei que lojas, bancos e caixas eletrônicos têm descaracterizado um pouco o local, como acontece em muitas regiões interioranas atualmente. Entretanto, os encantos de uma cidade nem sempre se revelam de imediato, sendo preciso paciência para explorá-la um pouco mais. Seguindo adiante, logo descobri o centro histórico, a parte mais charmosa da cidade. Nesse local, algumas das obras feitas na época dos jesuítas podem ser vistas no Museu de Arte Sacra, sediado na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída por volta de 1690. O prédio de arquitetura em estilo barroco paulista, apresenta um acervo rico em imagens de anjos, santos e personagens bíblicos entalhados em madeira, modelados em terracota ou em armações em roca.

Nas imediações do museu, há um centro cultural, que exibe exposições de arte, em seus três ambientes, auditório destinado a palestras, recitais, espetáculos musicais e teatrais. As ruas adjacentes abrigam a extensa feira de artes, além de galerias e todos os tipos de lojas, que vendem desde tapetes e vasos, até móveis rústicos e objetos antigos, procurados por colecionadores. Mas a arte espalha-se democraticamente pela cidade, sendo possível encontrar plantas e flores ornamentais, bijuterias, pinturas, porcelanas, artesanatos variados e todo tipo de bugigangas imagináveis, para agradar a todos os gostos.

Vale a pena conhecer todos os cantinhos próximos ao centro histórico, aproveitando para observar a beleza da arquitetura colonial, as ruas de pedras e suas simpáticas vielas. A charmosa Viela das Lavadeiras é imperdível, toda florida, com loja, galeria, creperia e restaurante/antiquário, onde além de fazer uma refeição, pode-se adquirir os objetos do local, incluindo mesas e cadeiras. Não resisto e pergunto a um dos lojistas o significado do nome da viela e ele explica que antigamente havia um lago na parte de trás e que as lavadeiras atravessavam a viela a caminho do trabalho. Por um momento, chego a visualizar as moças seguindo enfileiradas, com enormes trouxas na cabeça, para lavar roupas no lago...

Voltando para o outro lado da cidade e já que os índios foram os pioneiros na região, nada mais justo do que dar uma olhada no espaço destinado à cultura indígena, o Museu do Índio, criado para promover debates de temas relacionados a nações indígenas, grupos étnicos, costumes, hábitos alimentares e arte em geral. O museu, que foi planejado por um artista plástico, é bem cuidado e expõe com bom gosto a arte e objetos indígenas, complementando a história da cidade.

Mas nem só de arte e história vive o Embu, cujos visitantes também procuram o local pelos restaurantes e bares que lotam as calçadas com mesas e choupanas, onde turistas e habitantes locais conversam animadamente, ao som de música ao vivo. Quem gosta de música também pode assistir a shows nos fins de semana, que acontecem no Largo dos Jesuítas, em frente à igreja.

Para todos que, como eu, gostam de cultura, visitar feirinhas e experimentar as guloseimas do local, passar uma tarde no Embu é um prato cheio. Além disso, é uma boa oportunidade para conhecer a arquitetura da época colonial, entre outras lembranças deixadas pelos jesuítas, o que com certeza vale uma visita de tempos em tempos.

Texto/fotos: Luciene Cimatti

UM COLÍRIO PARA A MENTE


Movida por um misto de curiosidade e nostalgia, decidi ver a mostra Yoko Ono – Uma Retrospectiva, no Centro Cultural Banco do Brasil, que faz parte das comemorações do Centenário da Imigração Japonesa. Através da exposição, conheceria mais sobre a artista plástica que causou furor na época dos Beatles, além de ver obras que respingam um pouco da história de John Lennon, testemunhada pela artista, hoje sua viúva. Só de pensar em subir a famosa escada e ler no teto com uma lupa a palavra “yes”, pisando nos mesmos degraus que levaram o meu ídolo a se interessar pela autora da obra, já valeria a visita ao evento. Sem falar que é uma boa desculpa para passear pelo centro de São Paulo, para admirar e fotografar belos prédios antigos, como o próprio CCBB.

Como típica fã dos Beatles, também já tive minha dose de desconfiança de Yoko Ono, afinal, dizem que ela foi o pivô de ter causado o fim da banda. Por outro lado, admito certa curiosidade por essa figura enigmática e irreverente, que impressionou ao ex-beatle e já causou tanta polêmica mundo afora. Depois da morte de John Lennon, ela saiu da sombra e só nos resta conhecer o seu trabalho e enxergá-la através de sua obra. O fato de saber que quando esteve aqui ela fez questão de passear pela capital paulista e conhecer seus principais pontos turísticos, denominando-a “uma cidade em ebulição, um caldeirão de cultura”, já foi o primeiro passo para fazer as pazes com Yoko.

Logo no hall de entrada do centro cultural, há uma árvore feita para que os visitantes decorem com papéis onde escrevem desejos para a cidade de São Paulo. Essa é uma das características da exposição, onde a artista convida os espectadores a participar, desempenhando um papel ativo no processo criativo e na elaboração de algumas obras. Foi divertido caminhar sobre um rio de pedras, pintar um quadro coletivo, colocar memórias sobre minha mãe no painel “My mummy is beautiful”, buscar a saída num labirinto de vidro e ver peças de porcelana quebradas que podiam ser coladas.

A procedência oriental de Yoko Ono se revela na simplicidade com que suas idéias são apresentadas, o que me ajudou a apreciar mais a arte conceitual, apesar de ser leiga no assunto. É um tipo de arte para se ver com os olhos da mente, se entregando às sensações e expandindo nossa forma de enxergar a vida, para explorar seus diversos matizes. Um exemplo é a série “Objetos e pesos” na primeira parte da exposição, feita de balanças com diferentes objetos sobre ela, o que nos faz refletir sobre o valor de cada um deles na atualidade. Entre tantas obras, a série “Trabalhos com instruções”, na forma de frases em cartazes, me encantou. Para citar uma:

Obra de Limpeza IV

Anote todas as coisas que você teme na vida.
Queime.
Jogue óleo de ervas com aroma doce sobre as cinzas.
Y.O. 1996

À medida que subimos os andares, a exposição torna-se mais densa. Difícil não sentir certa melancolia na série “Objetos de sangue”, onde diversas peças são respingadas de vermelho, entre eles um jogo de mesa, taco de beisebol, porta-retrato, os óculos redondos e a camisa com o sinal da bala no peito, relembrando o assassinato de John Lennon.

Vi poesia na obra “meio-quarto”, que apresenta um espaço decorado com objetos e móveis cortados ao meio, representando a ruptura de um casal. Em seguida viria o que chamei de sala sinistra, por ter causado arrepios assim que entrei, vendo objetos quebrados e esculturas de corpos mutilados, que simbolizam a violência e degradação do planeta. Essa idéia se resume na obra em placa de concreto, que traz a inscrição que se repete: earth calling stop help us stop help us...

Por meio de poemas, performances, fotografias e instalações, Yoko Ono se expressa mostrando suas diversas facetas, desde a singela até a contestadora, e seu trabalho abre minha mente para as infinitas possibilidades de traduzir a vida. Saio de lá ainda com as palavras e imagens que mais me tocaram, na cabeça. Impossível é sair indiferente. Só não pude subir a famosa escada, como fez John Lennon, porque não era autorizado, e tive que me contentar com uma foto, tirada sem permissão mesmo.


Texto/fotos: Luciene Cimatti

A VITRINE QUE DANÇA


Ninguém esquece facilmente uma tarde na Vitrine da Dança, na Galeria Olido. Quando dei por mim, já estava ensaiando passos de tango, enfrentando olhares curiosos que se divertiam às minhas custas. Não é fácil não saber dançar e ter que fazê-lo dentro de uma vitrine, como um manequim em movimento, observada por uma pequena multidão que assiste do lado de fora. A dança entrou na minha vida há alguns meses, por meio da biodança, então decidi conhecer o projeto bacana da Olido, que oferece, além de aulas gratuitas de dança de salão, durante a semana; a aula-baile, no sábado à tarde, para a qual arrastei uma vítima desavisada que nem esperava viver uma experiência tão divertida.

A Vitrine da Dança é um espaço na entrada da Galeria Olido, em que oficinas e apresentações de dança acontecem, separados da rua apenas por um vidro. Localizado no centro de São Paulo, pertinho da Avenida São João, o antigo Cine Olido foi reformado em 2004 e transformou-se em centro cultural. Hoje de cara nova e jeitão moderno, o prédio de arquitetura da década de 50 abriga cinema, teatro, dança, fotografia, áudio, vídeo, circo e informática. A Galeria Olido mantém, ainda, o Cine Olido, com capacidade para 240 pessoas, e possui até sala de leitura, além de exposições e atividades a perder de vista.

Não faz muito tempo que descobri que a dança faz bem para o corpo e para a alma, melhora o nosso humor, e nos mostra que a vida é feita de movimento. Como na vida, muitas vezes é preciso dar passos dramáticos, pés firmes no chão, gestos expressivos, determinados, como uma dança espanhola. Outras vezes, é hora da sensualidade, da explosão de alegria, como os ritmos latinos; enquanto em outras, o romantismo nos domina, e cada passo é quase um pedido de clemência, como em um tango. O movimento ritmado do bolero demonstra como a vida pode ser prazerosa, basta se entregar. E lá vamos nós, seguindo a música que troca sem parar, como seguimos a vida.

Os ritmos se alternam, procurando agradar à mistura eclética de frequentadores do local. Senhoras, senhores, jovens, público alternativo, todos convivem no espaço de vidro, uns unidos pela música, outros pela curiosidade. Casais rodopiam ao som democrático de todo tipo de música. Desde samba, forró, baladas de rock, salsa, mambo, até o irresistível tango. Casais jovens, que fazem aulas de dança, comparecem ao baile para praticar, e veteranos dançam com perfeição, relembrando velhos tempos. Muitos assistem, poucos se arriscam, outros dão um show de experiência. Quanto a mim, acredito que saber não é tão importante, e sim, participar. A diversão é garantida.


Texto/fotos: Luciene Cimatti

A SURREALISTA VILA ITORORÓ


Avistei encantada o palacete que anunciava a minha chegada à Vila Itororó, a primeira vila da cidade de São Paulo, hoje divulgada como uma das atrações do bairro da Bela Vista, o Bixiga. Caminhando pela rua Martiniano de Carvalho, logo saltam aos olhos as estátuas e colunas do casarão antigo, que destoam do restante do local. Depois do fascínio inicial pelo porte da construção monumental que um dia já foi luxuosa, a realidade surge subitamente, destacando o abismo entre o auge do passado e a degradação do presente. Assim como eu, havia no local alguns visitantes despreparados, sem entender bem o que é a Vila Itororó hoje, ou o que restou dela. Um cortiço pra lá de extravagante.

O portão está aberto e desço a escada que dá acesso à vila. Deslumbrada com os detalhes da construção antiga, que traz esculturas de animais, deusas e rostos, lembrando um templo grego, e chocada com a pobreza do local, vou descendo e fotografando. Vejo mulheres lavando roupas, crianças brincando, cachorros correndo, mães levando os filhos para a escola, outras pessoas saindo para o trabalho, alheios ao pedaço da história que sua vila carrega. Não deixo de me sentir uma invasora, bisbilhotando o cotidiano dos moradores. Mas percebo que parecem estar acostumados, já que olhares curiosos estão sempre presentes por ali, tentando entender o contraste dessa realidade.

Hoje em ruínas e correndo o risco de desabar, apesar de tombada como patrimônio histórico, a Vila Itororó foi construída em 1922 pelo imigrante português Francisco de Castro, que a planejou e edificou com materiais de demolição. A construção localiza-se na antiga nascente do riacho Itororó, que formava um vale com o mesmo nome. A vila representava o apogeu do bairro da Bela Vista, com 37 casas menores ao redor de um palacete de quatro andares, a primeira residência particular a possuir uma piscina na cidade, conhecida como Casa Surrealista, pela ousadia da construção. A maioria das estátuas e colunas foram aproveitadas a partir da demolição do teatro São José, um dos primeiros de São Paulo.

Após a morte de Francisco de Castro, na década de 1950, a vila foi leiloada e arrematada por credores. Mais tarde, o conjunto foi doado a uma instituição beneficente, que ainda é considerada sua proprietária. Hoje consta que mais de 70 famílias habitam o local em condições precárias, algumas em casas mantidas pelos próprios moradores, outras em cortiços, em casas subdivididas por placas de madeira e papelão, onde vivem há muitos anos.

Apesar de haver por volta de 200 moradores na vila, tenho a impressão de não estarem receptivos para falar sobre a situação do local. Tento fazer um contato mas os olhares se desviam e todos parecem ter pressa ou estar ocupados. A Secretaria de Habitação declarou em 2005 que a Vila Itororó faria parte do Programa de Recuperação de Cortiços, e em 2006 foi anunciado que seria criado um pólo cultural na vila, pela Secretaria Municipal de Cultura, com espaço para atividade de educação, cultura, turismo e lazer. No entanto, o que se vê hoje são imagens de descaso e abandono, com pedaços do passado sendo lentamente apagados da memória da cidade.
Texto/fotos: Luciene Cimatti

UM DOMINGO TRANSCENDENTAL


Depois de assistir a um documentário que evidencia os benefícios da meditação, decidi começar a praticá-la, para recarregar as energias e diminuir a ansiedade. Tentei algumas vezes sem sucesso, já que a minha casa não é local dos mais apropriados para se concentrar. De repente, me lembrei que uma amiga comentou sobre um templo budista em Cotia, São Paulo, e decidi que lá seria um ótimo lugar para iniciar minha experiência de auto-descoberta. Cheguei num domingo de manhã no templo Zu Lai, que foi fundado pelo Mestre Hsing Yun em 1992 e cujo nome chinês tem origem na palavra sânscrita Tathagata, que pode significar tanto “aquele que veio” quanto “aquele que foi”. Para minha surpresa, descobri que além de ser um local para meditar ou conhecer a prática budista, é também um passeio e tanto.

Tudo no templo é um convite para evocar a paz interior, desde a harmonia e beleza da arquitetura monumental, seus amplos espaços, o barulho da água jorrando da fonte na entrada, o som do sino dos ventos, até a exuberante área verde que cerca o local, que tem até um lago. Frequentam o templo, além dos adeptos religiosos habituais, casais, famílias, jovens abertos a novas experiências ou pessoas que simplesmente desejam passar um dia agradável fora da cidade. No entanto, é preciso lembrar que esse é um ambiente religioso, que deve ser respeitado e há regras a serem seguidas, como evitar usar shorts, bermudas, roupas curtas e bebidas alcoólicas, entre outros.

O templo estava cheio, por estar sendo realizada nesse dia uma das mais solenes cerimônias da tradição Mahayana, a linha de budismo praticada no templo Zu Lai: a Cerimônia do Arrependimento da “Grande Compaixão dos Mil Braços e Mil Olhos”, que inclui reverências, prostrações, oferendas e quase quatro horas de cantorias. Não participei do evento, por não conhecer os rituais, já que logo de cara cometi a gafe de fotografar a fumaça sagrada, vinda de um enorme incensário na entrada da cerimônia e fui devidamente repreendida. Mas eu e os demais visitantes que assistiam ao final do evento do lado de fora fomos convidados a receber a benção dos mestres ali presentes, uma espécie de água-benta, em um ramo de planta, o que me deixou imensamente agradecida.

Já que não entrei no templo durante o evento, aproveito para conhecer as demais dependências do local. Começo tomando um chá de jasmim, oferecido aos visitantes, com uma plaquinha que diz que o chá traz sorte e que na antiguidade apenas os nobres tinham permissão para cultivar essa planta. Em seguida, entro no Museu de Arte Budista, onde há muito para se ver e aprender, desde objetos de arte, como pinturas, painéis e esculturas, até uma relíquia de Buda. Descubro que a palavra Buda (Budh), vem do sânscrito e do páli (uma lingua da India Antiga) e significa “desperto”, “supremo iluminado”, “aquele que está liberto da ignorância e inundado de suprema sabedoria”. Em seguida, passo pela loja de artigos budistas, com diversos ítens religiosos, além de uma pequena livraria; e pela sala de meditação, que fica ao lado, ainda vazia.

Toda essa caminhada pelo templo despertou meu apetite. Já é hora do almoço e há no local uma cafeteria que serve lanches naturais, mas decido experimentar o almoço vegetariano, servido nos finais de semana e feriados, em um enorme refeitório. Apesar de preferir uma boa pizza de calabresa, admito que adorei o almoço, feito com todo tipo de saladas, legumes, carne de soja e tofu muito bem preparados, com sabor e tempero especiais e aquele gostinho de comida chinesa. A hora da alimentação é um momento sagrado e há um cartaz com orientações para seguir na hora de comer, como agradecer a quem plantou, quem preparou a comida e por merecermos aquele alimento. Após o almoço, sigo meu passeio e entro na biblioteca que fica em frente ao refeitório, com um enorme acervo para quem quiser aprender um pouco mais sobre a filosofia budista, e tem até espaço separado para as crianças, com livros infantis e brinquedos. O templo oferece também palestras e diversos tipos de cursos, como Tai Chi Chuan, Meditação, Artesanato e Kung Fu, entre outros.

Após receber a benção e assistir ao final da cerimônia, já estava quase na hora de ir embora e não houve tempo para a meditação guiada, então decido fazer uma caminhada seguindo por uma alameda de pinheiros, para conhecer o jardim e ver o lago. Passo um tempo admirando as plantas e cores, cuidadosamente harmoniosas e depois de refletir, chego à conclusão que o passeio todo já foi uma espécie de meditação, com a oportunidade de viver uma experiência diferente, esquecer de tudo e aprender com o silêncio e paz que emanam desse local.
texto/fotos: Luciene Cimatti