sexta-feira, 6 de abril de 2012

A PAZ DE DENTRO PARA FORA

Fui visitar os painéis Guerra e Paz, de Cândido Portinari, em exposição no Memorial da América Latina até o dia 21 de abril de 2012. Oportunidade inédita de ver a obra doada à ONU (Organização das Nações Unidas), no final dos anos 1950, que, por conta da reforma no prédio da Organização, ficará no Brasil até 2013. É interessante visitar primeiro a galeria em que são exibidos cerca de 100 estudos preparatórios para os grandes murais, o que aumenta ainda mais a expectativa de ver a obra final. 



Chegando ao Salão de Atos Tiradentes, o contraste da vida, que invade os imensos murais, é de tirar o fôlego. Com suas cores fortes, escuras, a dor da violência é pintada no painel Guerra. A alegria da infância, a inocência, a pureza, são reproduzidas nas cores claras do painel Paz. Tocada com o que a obra representa, não deixo de pensar na guerra particular que cada ser humano vive no planeta, na cidade, dentro de si mesmo.



Penso nos pequenos gestos e escolhas que disseminam a paz, como um sorriso, uma gentileza, um carinho pelo próximo. Não me escapam também exemplos de violência gratuita que se vive todo dia no trânsito, nas esquinas, no elevador. Não apenas a bomba que atinge o inimigo, mas a fome, a impaciência, a falsidade, o egoísmo, demonstram que não adianta buscar a paz lá fora; é preciso criá-la primeiro em si mesmo.

 



Texto/fotos: Luciene Cimatti



















quinta-feira, 8 de abril de 2010

E DEUS CRIOU O FUTEBOL


Existe um país onde não se permitem negros ou trabalhadores braçais nos times de futebol. Lá, esse esporte é para a elite. Mulheres usando vestido e chapéu, formam a torcida ao lado de homens de terno. Ali não se diz jogo, e sim match; nem jogadores, mas footballers, tudo para deixar o povão do lado de fora. Aliviada, descubro que esse país está no passado, de volta ao século 19. Sua história foi resgatada pelo Museu do Futebol, inaugurado em 29 de setembro de 2008, por iniciativa do governo do Estado de São Paulo, em parceria com a Fundação Roberto Marinho.

Meu olhar indiferente, de quem é exceção no país que ama o futebol, já desfilou tantas vezes pelo Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, quase sem notar a imensidão de sua fachada, cuja entrada abriga torcidas em busca da paixão nacional.Também nem sabia que havia no estádio, localizado na praça Charles Miller, nome dado a um dos propagadores do futebol no Brasil, um museu sobre o esporte que agrega multidões de ponta a ponta do país.

No imenso estacionamento da entrada espalham-se carros, ônibus de escolares, vans, e até uma feira livre, que exala o irresistível cheiro de pastel frito na hora, embalando o sábado entre gritos de feirantes e perfume das flores vendidas no local. São os sons, cores e sabores que sintetizam o Brasil nessa manhã ensolarada. Não deixa de ser fascinante a expectativa de conhecer um pouco do esporte que atrai milhões de brasileiros e também outras tantas pessoas mundo afora. Estar na fila das bilheterias, debaixo de sol e muito calor, me faz sentir um pouco do que a torcida apaixonada enfrenta para ver seu time jogar. Por um momento, faço parte do seu mundo.

Grupos agendados, crianças, adolescentes, pais que levam os filhos para contar sobre a copa de 1970, avôs que mostram aos netos a história de Garrincha, percorrem animados os três andares do museu. A entrada, que fica abaixo das arquibancadas do estádio, nos recebe com uma exposição de objetos cedidos por colecionadores, que exibe diversas curiosidades, entre eles o ingresso ampliado do jogo de 19/11/69, aquele do milionésimo gol do Pelé.

Sou recebida pelo educador Daniel Magnanelli, um guia que explica tudo com entusiasmo de típico apaixonado pelo esporte. “Você sabia que já deu uma mordida nele?”, indaga, com expressão irônica, notando que olho para a foto do jogador Leônidas da Silva. E logo explica que o chocolate Diamante Negro foi criado em homenagem ao jogador que tinha esse apelido, inventor da jogada intitulada “bicicleta” e que foi um dos primeiros negros a jogar pelo Flamengo, ajudando a combater o preconceito. Magnanelli explica, também, que o museu é acessível a pessoas com deficiência, com elevadores e informações em braile e áudio, por exemplo.

Recriar a emoção vivida pelos torcedores foi um desafio que os organizadores do museu conseguiram com maestria. A sala em que se localiza o espaço do torcedor possibilita, por meio de telões gigantes, sentir embaixo das arquibancadas, a vibração, a exaltação da experiência coletiva da paixão pelo jogo. A torcida é exibida nos telões, enquanto sons de seus urros nos tornam parte dela. Impossível não se emocionar com o privilégio de viver a alegria da torcida.

Recepcionados por Pelé, que nos saúda em português, inglês e espanhol, por meio de um painel eletrônico, os visitantes percorrem uma dezena de salas que exibem a trajetória do futebol, tendo como pano de fundo as transformações sociais no Brasil. Fatos políticos e culturais que marcaram as décadas fazem um contraponto interessante com as conquistas do esporte feito com os pés, que ninguém acreditava ter futuro. Nos imensos painéis, “anjos barrocos”, os criadores do futebol arte, entre eles, Zagallo, Gerson, Nilton Santos, Pelé, Garrincha, Romário... flutuam na sala multimídia. Exposições de fotos e vídeos narram mudanças na sociedade brasileira, desde a época em que o remo era o esporte mais popular no país, em 1901. Nomes de peso na cultura brasileira, como Villa-Lobos, Carlos Drummond de Andrade, Portinari, Pixinguinha, Carmem Miranda, e outros, desfilam na sala Heróis, e mostram o que é ser brasileiro, ao lado das conquistas no esporte em cada década.

A voz de Arnaldo Antunes emociona e arrepia no documentário que narra o gol perdido pelo Brasil na copa de 1950, contra o Uruguai. Felizmente, a sala das Copas também enumera grandes conquistas, como em 1958, em que o mundo curvou-se diante do maior futebol do universo, na primeira conquista brasileira em uma copa do mundo, na Suécia. A história dos clubes, das chuteiras e das bolas também conta a trajetória desse esporte no Brasil. Talvez a garotada sinta falta de mais objetos que representam o esporte, mas poderão se divertir nas salas de pebolim, gramado virtual e chute a gol. É possível também observar o campo do estádio, de uma sacada que sai do museu.

“Parece que todo brasileiro nasceu com a bola no pé. Mas não foi sempre assim...”, começa o documentário narrado por Milton Gonçalves, com emoção contagiante. “O futebol veio para o Brasil quando este era um país dividido. De um lado, aqueles que tinham tudo, de outro, os negros e trabalhadores, que não tinham nada...” prossegue a voz do ator, enquanto tentamos assimilar tanta riqueza de informação.

Hoje, ainda estamos longe de ser um país sem desigualdades. Apesar da polêmica, as cotas raciais têm o objetivo de inserir pessoas da raça negra nas universidades brasileiras, entre tantas batalhas que tentam corrigir outras lacunas. A luta continua, mas o esporte que agregou diferenças ao longo de sua existência no país, já deu o pontapé inicial.

O Museu do Futebol funciona de terça-feira a domingo, das 10h às 18h. Mais informações pelo site http://www.museudofutebol.org.br/.

Texto/foto: Luciene Cimatti

domingo, 6 de setembro de 2009

O PINTOR DA LUZ


É dessa forma que a Irmã Jacques-Marie, ex-assistente/modelo do pintor francês Henri Matisse (1869-1954) se refere ao artista, como o “pintor da luz”, durante um vídeo imperdível apresentado na exposição Matisse Hoje, na Pinacoteca do Estado. Emocionada, ela conta sobre sua parceria com o pintor na construção da Capela do Rosário, em Vence, na França. Inaugurada no início dos anos 1950, sua criação foi cercada de polêmica pelo projeto ousado, que exibe a marca de Matisse no traço moderno e vitrais de azul e amarelo intensos, e pela relação de amizade entre o artista e a freira dominicana.

Assistir ao filme é importante para entender a personalidade obstinada do pintor, que refazia suas obras inúmeras vezes e deixava as marcas desse processo na tela final.
A exposição apresenta os trabalhos em salas que compõem cada fase do artista, com desenhos, gravuras, pinturas e esculturas, desde o período tradicional, até a explosão de cores fortes e constrastantes. A cor é tão importante em seu trabalho, que o artista a recorta para colar nas telas e compor a obra.

Considerado artista decorativo, Matisse é um dos mais influentes do século 20. Comparado a Picasso e Cézanne, utiliza o espaço como elemento presente na pintura, além de abordar a perspectiva de forma inovadora. Vemos os espaços se destacarem no conjunto, como se fossem recortados e expostos, e os elementos muitas vezes parecem suspensos no ar. Seus quadros de natureza-morta e motivos de tapeçaria são um banquete para os olhos.
Além de ver a exposição, visitar a Pinacoteca, um dos prédios mais bonitos de São Paulo, é uma atração à parte. Vale a pena aproveitar o passeio para tomar um café no espaço que fica ao ar livre e conhecer o Jardim da Luz, que faz parte do Museu.


Texto/foto: Luciene Cimatti

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

VIVA A LIBERDADE

Sábado de sol. Convite para passear ao ar livre, descobrir novos lugares ou revisitar aqueles favoritos. Câmera na bolsa, óculos escuros, mp3, rumo à liberdade.

O bairro da Liberdade, um dos meus passeios preferidos em São Paulo, tem se transformado cada vez mais em um caldeirão oriental. Se antes era reduto de imigrantes japoneses, que chegaram ao local por volta dos anos 1910, hoje ali convivem também chineses e coreanos.

Quem não passa há algum tempo pela região notará que o bairro está diferente. Os letreiros luminosos orientais, que caracterizavam o local, sumiram para cumprir a Lei Cidade Limpa, que proíbe placas externas, dando lugar a fachadas discretas e quase inexpressivas, se comparadas ao estilo tradicional.

As mudanças ficaram mais evidentes depois de um projeto de revitalização, iniciado há cerca de dois anos, por iniciativa de comerciantes da região, que prevê alterações mais radicais no futuro. As tradicionais luminárias da Rua Galvão Bueno e adjacentes foram substituídas por similares modernas. Fachadas de prédios e calçadas nas imediações da Praça da Liberdade foram reformadas. Até uma loja do Mac Donald´s e uma agência do Bradesco ganharam fachada oriental. No entanto, o jardim japonês, na Galvão Bueno, que ainda atrai a atenção com seu lago, flores e plantas harmoniosas, exibe sujeira e degradação, além de estar sempre fechado.

Meus lugares favoritos ainda estão por lá. A feirinha da praça, com suas barracas vermelhas, que vendem artesanato, comida chinesa e japonesa, entre outros. As lojas que ficam em torno dela vendem todo tipo de produtos, como quimonos, utensílios domésticos, comidas e doces. Aproveito para saborear um moti, espécie de bolinho doce feito de arroz. A parte mais divertida é andar pela infinidade de galerias, que surgem em todos os cantos da Rua Galvão Bueno, e se deliciar com a diversidade de produtos, a maioria importados.

Entre os cantinhos que sempre visito está a descontraída livraria e café Sol, na esquina em frente à praça. Tem também a padaria Itiriki, que significa “força total”, em japonês, localizada na Rua dos Estudantes, que é a meca dos bolos e doces. Logo em frente, outra loja imperdível, que vende produtos japoneses para casa, desde utensílios para cozinha, até requintados objetos de decoração. Falta visitar os templos budistas, o museu da imigração japonesa e tantas outras atrações, mas é claro que prometo voltar.

Quanto à revitalização do local, é sempre delicado cruzar a fronteira entre passado e presente. Reciclar é preciso, a renovação é sempre bem-vinda. Porém, requer a maestria de mesclar elementos modernos, sem deixar de preservar ícones como monumentos e símbolos arquitetônicos, que denotam a passagem do tempo e carregam a história da região, o que confere autenticidade a um bairro. Em minha opinião, é preciso dosar as alterações, para evitar que se transforme em local temático, criado apenas para atrair turistas.

Texto/foto: Luciene Cimatti

domingo, 7 de junho de 2009

A CIDADE QUE ME ABRAÇA


O vento forte e a sensação de onipotência foi o que mais marcou minha visita ao topo do edifício Altino Arantes, antigo Banespa, hoje propriedade do banco Santander. Sempre quis conhecer um dos prédios mais altos de São Paulo, o nosso Empire State Building, mas a falta de tempo e de oportunidade sempre me impediram, já que só é possível visitá-lo em horário comercial.

Apesar de ansiosa para subir, tive que aguardar a descida de outro grupo para então seguir com algumas pessoas que também esperavam. Aguardamos na entrada, em um amplo e imponente saguão, que exibia um gigantesco lustre de cristal se debruçando sobre um jogo de bancos, cadeiras e mesa no centro, talhados em madeira escura e muito antiga. Surpresos com o excesso de burocracia, sempre guiados por seguranças, fomos chamados para entrar em um elevador, depois trocamos por outro, e subimos o restante pelas escadas, até a torre. No fim das contas, esse sistema todo acabou criando mais expectativa em ver minha cidade lá do alto, mesmo sabendo que poderia permanecer apenas por cinco minutos.

À medida que subo os degraus, já sinto o vento forte, que chega primeiro. A cidade anuncia o seu poder, e, sob meus pés, reafirma sua grandeza. Sinto emoção ao ouvir o zunido do vento, que levanta meus cabelos com força. Estou no topo de uma montanha, mas à minha volta, nem sinal de natureza, só concreto.

O contorno dos prédios se mistura às ruas, que parecem rios com os carros em movimento, e tudo se intercala formando uma massa bege e azul. Como é linda essa cidade vista por inteiro. Começo a girar e ela me abraça por todos os lados. Olho cada pontinho nos edifícios, formado pelas janelas, imagino quantas histórias guarda cada um deles ou cada carro que se move como formiga. Percebo o real sentido de “estamos todos no mesmo barco”.

De repente, ouço um sino, trilha sonora para esse sonho de ver São Paulo inteira. É o mosteiro de São Bento, sob meus pés. Do outro lado, o azul da torre da Catedral da Sé se destaca na paisagem homogênea formada pelos prédios. Aos poucos identifico outros lugares, a sombra do pico do Jaraguá muito distante, as janelas coloridas do shopping Light, a praça Ramos... lugares por onde passo, pedaços do meu cotidiano transformados em partes de algo maior, na força de uma cidade que pulsa intensamente.

Texto/fotos: Luciene Cimatti

FESTA NA ALDEIA


Impossível definir quantos mundos diferentes habitam em São Paulo e arredores, que como grande parte das metrópoles, exibe contrastes entre evolução, atraso, riqueza, pobreza, passado, futuro. Nela se abrigam centenas de recantos escondidos que passamos a vida inteira sem sonhar que existem. É o fascínio de uma cidade que convida a ser descoberta, mas que jamais será inteiramente revelada.

Não é preciso ir muito longe para conhecer um desses recantos, um pedaço da nossa história que o tempo não conseguiu apagar. Resquícios da colonização indígena pelos jesuítas repousam no município de Carapicuíba, na antiga aldeia indígena que remonta ao século 17, a Aldeia de Carapicuíba. Localizada no Km 22,2 da Rodovia Raposo Tavares, foi tombada, em 1940, como patrimônio histórico nacional. Conhecida pelas festas folclóricas, casas coloniais e pelo restaurante chileno Peña Don Fernando, que é uma atração à parte, é um bom passeio para quem gosta de história, boa comida e um pouco de aventura.

Apesar da extensão da região que consiste a aldeia, a atração fica no largo formado pela pequena igreja antiga e cerca de 20 casas pintadas de branco e azul que circundam a praça, algumas moldadas com taipa de pilão. As casinhas antigas abrigam a prefeitura, posto dos correios, posto policial, bar, mercearia, biblioteca, museu e o restaurante, localizado nos fundos de uma das casas. A Casa da Cultura exibe exposições sobre tradições e costumes indígenas, como máscaras, artesanato e esculturas, de diversas tribos, entre elas os Guaianases, uma das primeiras tribos a habitar a região. É possível até visitar uma réplica de oca indígena, nas imediações da aldeia.

Antiga rota dos bandeirantes, a Aldeia de Carapicuíba foi fundada, em 1580, pelo padre José de Anchieta, e teve sua população indígena administrada pelos jesuítas. Lá os índios trabalhavam em troca de roupas, instrumentos de trabalho, remédios e orientação religiosa. Hoje, o folclore da região continua preservado por meio das festas tradicionais, que apresentam danças típicas, feira de artesanato, comidas, entre outros. A Festa de Santa Cruz, que sempre acontece no início de maio, no largo da aldeia, teve origem na época da colonização dos índios, e envolve danças, novenas e rezas. Outras festas populares são a Festa de Santa Cruzinha, em setembro, e a Festa de Santa Catarina, romaria que acontece em novembro.

Além das festas folclóricas, a atração imperdível é o Peña Don Fernando, incrustrado na aldeia e na história do local. Inspirado nas “peñas chilenas”; locais rústicos onde as pessoas se reuniam para cantar; o restaurante tem chão de terra batida, teto de sapé e forno a lenha, além da decoração inusitada, que inclui bandeiras, fotos e cartazes cheios de humor. Nas noites de sexta e sábado, e almoço de domingo, o local apresenta música latina ao vivo. Placas na estrada sinalizam a entrada da aldeia e anunciam as especialidades da casa, como empanadas, pastel de choclo (prato tradicional chileno à base de milho), frango ou peixe no barro. Minha promessa de retornar fica por conta da banana assada com açúcar e canela, iguaria de dar água na boca.
Texto/fotos: Luciene Cimatti

UMA VIAGEM DE VOLTA AO SÉCULO 19


Quando estive em Paranapiacaba há muitos anos, nem sabia que esse nome, em tupi-guarani, significava "lugar de onde se vê o mar". O local fez parte da minha adolescência, onde costumava fazer acampamentos, piqueniques e visitas às cachoeiras. Depois de muito tempo, decidi revê-lo e descobri que e a vila está sendo recuperada, apesar de a estação ferroviária ainda parecer abandonada.

A região, tombada pelo Patrimônio Histórico desde 1987, tem sido cada vez mais procurada por turistas que querem conhecer a parte histórica da vila ou praticar esportes como trekking, ciclismo, rapel e arborismo na área de Mata Atlântica, transformada no Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba.

Localizada na região sudeste do município de Santo André (Grande São Paulo), no limite entre o Planalto Paulista e a Serra do Mar, a 55 km de São Paulo, uma das opções é seguir de trem até a estação Rio Grande da Serra e tomar um ônibus até o local. Quem preferir, pode ir de carro ou até de motocicleta, para os aventureiros.

Minha opção é ir de trem, já que são poucas as oportunidades de se aproveitar um passeio desses no Brasil. Os trens da linha CPTM são vazios nos finais de semana e a viagem leva em média 30 minutos, saindo da estação da Luz, com destino a Rio Grande da Serra, e descendo na estação terminal. Um ônibus sai a cada meia hora para a Vila de Paranapiacaba e leva em torno de 20 minutos para chegar ao local. Depois de algum tempo subindo a serra, já pude sentir a mudança de temperatura e a forte neblina, típica da região. E assim começa a viagem no tempo, de volta a 1867, quando a estrada de ferro foi construída pelos ingleses, devido ao aumento do transporte da produção agrícola do porto de Santos para o Planalto Paulista.

A vila ferroviária foi construída em 1896, para os funcionários da companhia inglesa São Paulo Railway e até hoje tem um jeitão londrino, pela névoa que invade a cidade. O local é cheio de ladeiras e assim que cheguei, subi até a parte alta da vila, onde fica a antiga estação, hoje desativada para transporte de passageiros. Já tinha esquecido que tirar fotos à tarde é um tremendo desafio, e cada minuto é precioso, pois no minuto seguinte a cena pode estar encoberta por uma atmosfera de sonho, causada pelo nevoeiro. No meio do pátio ferroviário, destaca-se imponente o relógio que foi construído em Londres, no ano de 1898, para ser referência aos trens em dias de forte neblina. Uma passarela que atravessa a estação leva até o Museu Ferroviário, que expõe maquinários do antigo sistema ferroviário, e à área de embarque para o passeio de maria-fumaça, que é garantia de pura diversão.

A vila é charmosa, com suas casas coloridas feitas de madeira, ruas de pedras, estreitas e sinuosas, igrejinha que foi construída para os funcionários católicos da ferrovia e tem até o "castelinho" no alto de um morro. A todo momento, ciclistas, motociclistas e skatistas invadem as ruas, se misturando a casais, idosos e famílias que visitam o local. Quem quiser passar alguns dias, pode se hospedar em pousadas, como a simpática Pousada do Artista, decorada com objetos que podem ser adquiridos pelos hóspedes. Outra opção interessante é se hospedar nas casas inglesas, onde moradores oferecem cama e café da manhã (sistema B&B).Mas há muito mais para se fazer na vila além de ver a estrada de ferro e curtir a natureza.

A vida cultural fervilha no mês de julho com eventos como o tradicional Festival de Inverno de Paranapiacaba, entre outros. Além disso, o local atrai cada vez mais artistas que montam ali seus ateliês de cerâmica, e não faltam exposições de arte com objetos para ver e comprar.O dia chega ao fim e termino meu passeio com um pedaço de bolo de chocolate e cafezinho para esquentar a tarde fria na serra, prometendo voltar em breve para conhecer e experimentar outras delícias da minha vila inglesa favorita.

Texto/fotos: Luciene Cimatti